quarta-feira, 28 de julho de 2010

Deseducando

É um dia chuvoso e você e seu cônjuge resolvem tirar as teias de aranha da cama. Acontece que as camisinhas estão tão cheias de poeira que estão lá tão confiáveis... ahh, quem liga? Só precisam pensar nisso daqui a nove meses mesmo...

E eles passam rápido, amigo. Logo logo há um cabeçudinho chorando e berrando por basicamente qualquer coisa. Resta ao pobre casal a árdua tarefa de educá-lo e tentar fazer dele uma pessoa decente boa não tão ruim aceitável. Tudo corre bem, até o dia em que o papai precisa trabalhar até tarde e a mamãe tem uma reunião. Oh meldels, oh meldels! O que fazer? Nessa hora ambos lembram de seus progenitores e correm a eles pedindo por socorro - o que importa se não os visitam há mais de cinco meses, não é?

Lisonjeados com a confiança, os vovôs prontamente se dispõem a ajudar e acolhem o pimpolho por um dia. Isto, meus amigos, é o suficiente para causar danos irreparáveis que acompanharão sua prole por toda a vida. Já dizia o ditado "mãe educa, vó estraga". Para piorar, a exposição crônica ao lanchinho da vovó aciona mecanismos no cérebro do bebê que o induzem a se comportar mal. Pronto, está semeado o desastre.

Anos depois, lá está o filhote, solto pelas ruas da cidade, tocando o terror. Batendo em mendigos, quebrando vitrines, chutando cachorros e tudo isso POR CULPA DA VOVÓ.

Ok, ok, todos sabemos que crianças criadas pela avó não são nada dessa deliquentagem toda que descrevi acima. Brincadeiras à parte, vamos pensar no filhote solto tocando o terror, não necessariamente estragado pela vovó - o maldito já nasceu ruim mesmo. Agora pense em mim, uma pobre criatura andando pelas ruas badaladas do Rio de Janeiro, querendo humildemente comprar uma latinha de champignon.

Champignon

Pois bem, estava eu aqui andando pela casa quando recebi o desígnio de marchar até o mercado e comprar uma latinha destes simpáticos cogumelos. Excelente, lá fui eu. Observem que usei o verbo marchar e não foi de forma figurada. Caminhar pela rua é uma verdadeira batalha, lutando para avançar pelas trincheiras formadas por barraquinhas de camelôs enquanto irrompe-se pela multidão de transeuntes. Antes fosse só isso.

Lembra daquela educação que você devia dar pros seus filhos? Pois é, ela serviria para situações como essa. Considere o seguinte impasse: duas pessoas andam na rua na mesma reta, uma caminhando em direção a outra. Qual a solução lógica? Após aquela hesitação inicial e da dancinha do esquerda-direita, cada um vai prum lado e segue seu caminho. O problema é que atualmente as pessoas parecem ter desenvolvido uma atração magnética pelo chão que só permite movimentação em linha reta com curvas em ângulos retos. Em outras palavras, não saem da frente. Isso torna o ato de andar pela rua uma atividade extremamente irritante, já que é necessário um verdadeiro conjunto de acrobacias e torções corporais para evitar chegar em casa com hematomas (true story, já tive meu braço quase arrancado por uma bolsa ninja mutante).

Mas tudo bem, dá para sobreviver até o mercado. Tudo pelo champignon.

Munida de uma latinha, esta que vos escreve caminhou até a fila única para três caixas. Acontece que a disposição deles é extremamente infeliz; no mesmo corredor estreitíssimo há duas caixas, uma mais à frente, outra atrás. Para meu azar, o da frente estava ocupado por uma mulher fazendo compras de mês (fato que eu não reparei no momento). Um carrinho de compras vazio estava atrás dela, que já pagava suas compras. Sabe Deus porquê, ela empurrou o carrinho vazio para trás.

O que pensar neste momento? Naturalmente que ela estava despachando o carrinho de compras. Eu, em toda minha educação e solicitude puxei o carrinho devagar para trás. Nada como fazer sua parte como cidadão... pelo menos foi o que eu pensei até a mulher meter a mão no carrinho e puxá-lo, encarando-me com tanto ódio no coração que achei que fosse apanhar ali mesmo. Só para deixar a situação mais legal, minha vez se aproximava no caixa à frente - isso enquanto ela enchia o carrinho, antes vazio, com suas compras de mês -... só que havia um obstáculo entre eu e o caixa:


Só existe uma palavra para traduzir meu sentimento naquele instante: desespero. Foi então que a atendente proferiu minha sentença de morte:

- Próximo.

Gelei sobre meus pés e olhei para ela pedindo misericórdia. Impiedosa, ela cuspiu a palavra com um olhar cheio de tédio e impaciência:

- PRÓXIMO! :@

Era isso. Eu tinha que ir. Olhei para ela, para o carrinho, para a mulher. Juntei toda a força que tinha e falei com a voz mais meiga e educada que consegui:

- Moça, você poderia me dar licença?
- VOCÊ NÃO TÁ VENDO QUE O CARRINHO TÁ AQUI NA FRENTE NÃO DÁ NÃO NÃO DÁ PO NÃO DÁ NÃO TÁ VENDO AQUI Ó O CARRINHO MENINA NÃO DÁ NÃO VIU?

O que posso dizer? Ela foi educada e me pediu para esperar.

O importante é que, no fim das contas, comprei a latinha de champignon e voltei para casa sã e salva. E todo o ponto deste post resume-se à seguinte lição: não sejam educados. Esbarrem nas pessoas, gritem com elas, chutem mendigos e, sobretudo NÃO TENTEM AJUDAR os outros no mercado.
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